Prefeito defendeu a mudança da bilhetagem eletrônica e disse que a Riocard é ‘a raposa tomando conta do galinheiro’ e que a Fetranspor é “uma máfia”

Imbróglio sobre integração dos sistemas do Jaé e do Riocard preocupa empresários e trabalhadores — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
O prefeito Eduardo Paes (PSD) anunciou nesta quarta-feira o adiamento do uso exclusivo do Jaé nos modais municipais. A nova previsão é que 1º de julho os passageiros só poderão pagar os bilhetes somente com dinheiro ou com o novo cartão em ônibus, BRT, vans e VLT da capital. Paes também defendeu a mudança na bilhetagem eletrônica dizendo que a gestão da Riocard é como se a “raposa tomasse conta do galinheiro”. Segundo o prefeito, a empresa é ligada aos próprios empresários de ônibus e faz os relatórios que definem quanto a prefeitura do Rio paga de subsídios pelas passagens.
— Estamos enfrentando uma turma que é uma máfia que já fizeram tudo que vocês conhecem. Eles estão incomodadíssimos com isso. Mafiosos que fazem essa caixa preta há muito tempo no Rio. Eles não vão nos deter. Vamos dar transparência a esse sistema e pagar um preço justo — disse Paes.
Com o adiamento, o usuário poderá continuar a pagar a passagem com o uso do Riocard. Quem já comprou o Jaé, poderá continuar usando o cartão em todos os modais municipais, mas sem a possibilidade de fazer as integrações com os transportes coletivos sob responsabilidade do governo estadual.
Falta de integração
Um dos principais problemas para a implantação do Jaé a partir de 1º de fevereiro é a falta de integração com os modais sob a responsabilidade do governo estadual ainda patina. O novo cartão não passa em linhas intermunicipais, metrô, trens e barcas, que continuam a operar apenas com o Riocard, que é administrado pelos empresários de ônibus.
E a solução para o problema não está no horizonte. Ao GLOBO, o secretário estadual de Transportes, Washington Reis, disse nesta terça-feira que não tem como integrar o atual sistema com o novo da prefeitura até fevereiro:
— Terá que adiar esse prazo. Nessa data será impossível começar essa operação. Estamos licitando a bilhetagem do estado, que será 100% integrada.
Um levantamento feito pelo gabinete do vereador Pedro Duarte (Novo) mostra que sem a integração o trabalhador pode ter que desembolsar mensalmente de R$ 126 a R$ 162 a mais, a depender dos modais que utiliza. O cálculo considera duas viagens diárias (ida e volta) durante 20 dias por mês.
— Essa confusão não pode continuar se estendendo. Está na hora da Prefeitura, o governo do Estado e as empresas chegarem a uma solução — afirma Duarte.
As integrações do Rio
Integração | Valor atual | Valor sem integração | Diferença das tarifas | Diferença em 20 dias úteis |
Van municipal + Metrô | R$ 8,25 | R$ 12,30 | R$ 4,05 | R$ 162 |
Ônibus municipal + Metrô | R$ 8,25 | R$ 12,30 | R$ 4,05 | R$ 162 |
VLT + Barcas | R$ 8,55 | R$ 12,40 | R$ 3,85 | R$ 154 |
Trem + Ônibus municipal | R$ 8,55 | R$ 12,30 | R$ 3,75 | R$ 150 |
BRT + Metrô | R$ 9,05 | R$ 12,20 | R$ 3,15 | R$ 126 |
Fonte: Gabinete do vereador Pedro Duarte (Novo)
Pelo fim da caixa-preta
A mudança da bilhetagem, de acordo a prefeitura, é para aumentar a transparência: saber, por exemplo, o número de passageiros em cada linha e a respectiva arrecadação. No entanto, apesar de a implementação ter começado em julho de 2023, o município tem enfrentado muitos obstáculos. Um deles é a negociação com o governo estadual para garantir a integração — quando o passageiro paga um valor reduzido para usar dois modais. Sem essa conexão entre os sistemas, fica impossível conceder essa tarifa diferenciada.
Se a negociação não avançar e a prefeitura mantiver seu planejamento, usuários que precisam usar um transporte municipal e outro estadual terão que recorrer a dois cartões — o Jaé e o Riocard — e pagar as tarifas cheias.
O que se busca é uma forma de conceder o desconto, mesmo que seja necessário usar dois cartões. Hoje essa tarifa reduzida é concedida para quem tem o Bilhete Único Intermunicipal (BUI), um Riocard cadastrado pelo governo estadual que passa tanto nos transportes municipais quanto nos estaduais. São cerca de 283 mil os passageiros diários que usam esse desconto.
Moradora de Ramos, na Zona Norte do Rio, Alessandra da Silva precisa do cartão para circular de ônibus pela cidade, mas ainda assim tem encontrado dificuldades para usar os validadores do Jaé:
— Em contato com a Jaé, me disseram que alguns cartões estão com problemas e que preciso usar pelo celular. Mas dependendo de onde estou, é um risco pegar o aparelho. Isso, fora o constrangimento de tentar embarcar e o validador dar erro.
O impasse também aflige empresários, que não sabem como pagar o vale-transporte do próximo mês. O presidente do SindilojasRio e do Clube de Diretores Lojistas do Rio, Aldo Gonçalves, diz que a falta de informações dificulta o planejamento das empresas justamente no início do ano fiscal e há o temor de que uma suspensão do BUI impacte no funcionamento do comércio:
— A transição do sistema de bilhetagem eletrônica do Riocard para o Jaé traz uma série de incertezas para os empresários e os trabalhadores do comércio do Rio. Essa mudança ainda carece de esclarecimentos sobre os impactos práticos no pagamento do vale-transporte — diz ele.
Presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio, Márcio Ayer compartilha as preocupações e diz que a medida pode afetar contratações e demissões de funcionários:
— Uma parcela enorme dos trabalhadores reside fora do município do Rio e usa trens e ônibus intermunicipais, por exemplo. Se não tem o Bilhete Único Intermunicipal, a passagem aumenta, e o desconto pago pelo empregador também. Quem mora na Região Metropolitana teme não conseguir custear a passagem.
Não são apenas essas integrações que estão ameaçadas. Em meio a impasses, a Secretaria municipal de Transportes do Rio cobrou que o Metrô Rio instale os validadores do Jaé nas catracas das suas estações. Em um ofício enviado em novembro, a prefeitura diz que, se o pedido não for aceito, poderá encerrar a integração entre o modal e as seis linhas de ônibus municipais que substituíram o serviço de Metrô na Superfície. Os usuários dessa integração metrô-ônibus pagam apenas a tarifa do metrô, não são cobrados para fazer o trajeto das estações de Botafogo e da Antero de Quental, no Leblon, até a Gávea. Caso a integração seja interrompida, o custo por viagem aumentará R$ 4,70.
Metrô rebate prefeitura
O MetrôRio reage ao posicionamento da prefeitura e afirma que essas tarifas de integração “são 100% custeadas pela concessionária, sem qualquer subsídio do poder público” e que o fim do serviço prejudicaria os passageiros ao impactar a mobilidade urbana.
No documento, a secretária municipal de Transportes, Maína Celidonio, diz que é preciso instalar pelo menos três validadores do Jaé em cada estação do metrô até o fim de janeiro: “A inclusão dos validadores da Jaé no metrô era condição fundamental do acordo de integração proposto. Entretanto, passados cerca de três meses da publicação da resolução, o MetrôRio ainda se encontra inadimplente com o regramento”.
Dificuldade para obter cartão
As dificuldades se repetem para a compra dos cartões pela internet, mediante o pagamento de uma taxa de entrega em domicílio, por R$ 7,95. A aposentada Isabel Moulin, de 65 anos, tentou por duas vezes adquirir o bilhete, mas o valor não foi debitado de seu cartão. Depois disso, se cadastrou pela internet para pegar seu Jaé em uma loja física, em Botafogo. Nesta terça-feira, voltou para casa de mãos vazias.
— Foi no início de dezembro. Esperei passar as festas de fim de ano. E, um mês depois, a recepcionista informou que teria que aguardar pelo menos 20 dias úteis. Havia umas 20 pessoas na fila na mesma situação que eu. Cadastrou e não recebeu os cartões.
O impasse ocorre em meio a informações que circulam pelo mercado que a empresa estaria sendo negociada para um outro grupo com expertise em bilhetagem eletrônica. A empresa não confirmou.
Fonte: O Globo